IESA - (Re)Pensando Direito - Ano 3 Nº 7 - page 96

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Ano 4 • n. 7 • jan/jun. • 2014
FernandoAntôniodaSilvaAlves
subordinação da mulher ao homem (SOARES, 2009). Assim, não
obstante o surgimento da Lei nº 11.340 ser considerada um avanço no
ordenamento jurídico brasileiro a partir do trabalho de organizações
feministas (pois prevê a lei uma diversidade de ações desenvolvidas
pelo Estado em prol das mulheres), com perspectivas de intervenção
que vão das medidas protetivas até medidas educacionais, tais como
a adoção de um ensino não sexista nas escolas; por outro lado, a
Lei Maria da Penha esbarra numa contradição em termos acerca dos
propósitos humanistas que ensejaram sua criação: a filiação a um
paradigma penal.
Segundo Bárbara Masemuci Soares,
um dos problemas decorrentes da Lei 11.340 ao abraçar o
paradigma penal como condição de eficácia da aplicação de suas
normas, na responsabilização de atos de violência doméstica, é a
concepção de que a violência doméstica é unidirecional; ou seja,
que ela é praticada somente por homens contra mulheres (2009,
p.153).
Além disso, a noção que a lei pode pressupor que seu texto
punitivo se justifica por conta do machismo, misoginia e patriarcalismo
dominante, esquece que os mecanismos de dominação se manifestam
de forma bem mais sutil e mais invisível, em termos de uma força
simbólica que exerceu a figura masculina durante séculos, dentro da
construção cultural das figuras do homem e da mulher. Vale salientar
também que, ao se apegar ao modelo punitivo, com sanções severas
e mesmo o encarceramento dos homens, supostos autores dos
crimes de violência doméstica, a lei alude a uma política criminal
compensatória, de considerar as mulheres como historicamente
vitimizadas. Entretanto, em termos de vitimização das mulheres, a lei
apenas reconhece esse estado de dominação, sem propor alternativas
válidas à supressão desses mecanismos, e mesmo a adoção de
novas práticas sociais em que o desequilíbrio entre os gêneros não
leve necessariamente a uma subjugação tão tosca e violenta como a
que se vê nos registros de agressões nas delegacias de polícia.
Na verdade, a Lei Maria da Penha pouco ou nada faz para rever,
questionar ou atingir a dominação de gênero. Ela acaba por reforçar
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