IESA - (Re)Pensando Direito - Ano 3 Nº 7 - page 95

(RE) PENSANDO DIREITO
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DOMINAÇÃOMASCULINAEVIOLÊNCIADEGÊNERONOSÉCULOXXI:
o início da relação (e desgastados pela rotina do relacionamento),
mas sim porque tal rompimento significaria a mudança completa de
uma rotina à qual os parceiros já se encontram por demais do que
fixados. Torna-se explicável, portanto, porque em determinados casos
de violência doméstica, por mais que a mulher esteja empregada no
setor produtivo e tenha condições de se prover materialmente sem
a presença do companheiro, os registros de ocorrências criminais
referentes a agressões no ambiente caseiro sejam tão raros.
A codependência feminina encontra-se diretamente relacionada
com o histórico de dominação reservado ao papel masculino diante
do feminino no desenrolar das relações entre homens e mulheres
na sociedade moderna. Concebendo essas relações em termos
de violência simbólica, com toda a sutileza, doçura e invisibilidade
que este conceito implica, entende-se agora como os mecanismos
de dominação de gênero inscreveram-se nos corpos de homens e
mulheres durante séculos (BOURDIEU, 2005), especialmente na
era moderna, quando os efeitos duradouros da ordem masculina
se traduzem num encantamento e submissão da mulher diante do
homem, a ponto de milhares de mulheres agredidas escolherem
permanecer com seus companheiros agressores por força dos
expedientes silenciosos da codependência.
Não raro relacionamentos desse tipo geram delitos. A
preponderância do fator codependência na criminogênese dos delitos
contra a mulher pode servir como uma boa explicação sociológica
para os delitos de violência doméstica. O espectro de dominação de
homens sobre mulheres presente na cultura de uma sociedade acaba
por reforçar esses mecanismos de codependência. Mas como reagir
socialmente por meio do sistema jurídico diante de tal realidade? Uma
das saídas do legislador foi a de criminalizar a violência doméstica,
correndo o risco, entretanto, de criminalizar a própria relação conjugal,
além de apenas reforçar esquemas de dominação pré-existentes.
Para Bárbara Soares, um dos grandes problemas da Lei Maria
da Penha é que, ao criminalizar a conduta do homem na relação
conjugal, ela reforça uma desigualdade de poder, uma relação de
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