IESA - (Re)Pensando Direito - Ano 3 Nº 7 - page 190

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Ano 4 • n. 7 • jan/jun. • 2014
Carlos JoséPereiraKruber
partir da ideia geral de uma sociedade secular concebida para ser uma
união espiritual de crentes, união em que cada indivíduo seria uma
entidade moralmente autônoma”
156
. Essa sociedade ficou confinada
a certos limites históricos e geográficos característicos do mundo
ocidental, a qual começou com o cristianismo e foi desenvolvida pela
reforma, e nesta especialmente por Calvino.
Dessa maneira, é exatamente essa desordem no relacionamento
imemorial do homem com a comunidade que vai funcionar como o
agente por excelência de pacificação dos comportamentos. Já que
a prioridade do conjunto social se apaga em benefício do interesse e
das vontades das partes individuais, os códigos sociais que prendiam
o homem à solidariedade de grupo não podem subsistir: cada vez mais
independente em relação aos constrangimentos coletivos, o indivíduo
deixa de reconhecer como dever sagrado a vingança do sangue que
durante milênios permitiu soldar o homem a sua linhagem
157
.
O Estado moderno criou o indivíduo socialmente desligado
dos seus semelhantes, mas este em troca cria por seu isolamento,
sua ausência de belicosidade, seu medo da violência às condições
constantes do crescimento da força pública. Quanto mais os indivíduos
se sentem livres por si mesmos, mais exigem proteção regular, sem
falha, por parte dos órgãos estatais. Quanto mais eles abominam a
brutalidade, mais requisitam o aumento das forças de segurança. A
partir daí, “a humanização dos costumes pode ser interpretada como
um processo que visa a destituir o indivíduo dos princípios refratários
à hegemonia do poder total, que tem o projeto de colocar a sociedade
sob a tutela completa do Estado”
158
.
Nesse sentido, a autonomia do indivíduo é a grande promessa
da modernidade, sendo a liberdade concedida e prometida como
autonomia. Porém, essa liberdade está ligada a um paradoxo em que
o indivíduo vem “apertado” entre três círculos
159
.
156
Ibid.,
p. 236.
157 Lipovetsky, Gilles.
A era do vazio:
ensaios sobre o individualismo contemporâneo. Tradução de Terezinha Monteiro Deutsch.
Barueri: Manole, 2005. p. 163.
158
Ibid.,
p. 165.
159 ROMAN, Joel.Autonomia e vulnerabilidade do indivíduo moderno. In: MORIN, Edgar; PRIGOGINE, Ilya et al.ASociedade em busca
de valores: para fugir à alternativa entre o cepticismo e o dogmatismo. Lisboa: Piaget, 1996, p. 39-49.
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